segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Sétimo andamento

Às 16 horas abriu a exposição de fotografias dos anos 50 e 60, com rostos e motivos de S. Pedro. Famílias, grupos e cenas da vida antiga, onde os sampedrenses puderam rever-se.
E seguiu-se o momento mais emotivo da jornada: a apresentação das Memórias dum homem bom de S. Pedro, que todos conheceram.
Depois de explicada a génese dos textos, em que uma neta ofereceu ao avô um caderninho em branco, para ele escrever as recordações da sua vida, foi feita a leitura duma página. 2. Fazer Pela Vida
Naquele tempo não havia dinheiro para comprar nada, nem peixe, carnes ou frutas, comia-se o que produziam os campos. Se o ano vinha bom havia que economizar, mas se o ano era mau alguns perdiam a vergonha e mendigavam, e outros até roubavam. Muitos que eu conheço lá se criaram deste modo, e agora suspeito que já não se lembram. Porque agora tudo é diferente.
A ementa diária era, quase sempre, um caldo feito de batatas, cebola e couve, acompanhado de pão centeio muito escuro. Recordo-me de comer este caldo numa tigela, feita de um barro espanhol muito avermelhado, a que nós chamávamos caçoilo.
Algumas vezes fritava-se um pouco de toucinho de porco a que chamávamos chicharros. Esmagávamos as batatas cozidas na banha derretida do toucinho, e isso já era considerado um grande petisco.
No Verão, com umas caixas em cima de um burro, vinha, de vez em quando, um comerciante vender sardinhas. A nossa mãe comprava duas sardinhas, as quais, a dividir por quatro, meia sardinha para cada um, era o que nos calhava nesse dia.
Um ovo estrelado comia-se raramente; na primavera, quando as galinhas punham mais, iam-se vender os ovos no mercado do dia 8, em Almeida, ou a Espanha.
Frutas havia no Verão com fartura: figos, abrunhos, maçãs e peras. Havia uns abrunhos selvagens a que chamávamos "cagoiços" por provocarem frequentes diarreias. Bananas, vi-as eu pela primeira vez, já adulto, em Lisboa, e laranjas eram uma raridade.
E não desprezávamos os frutos e as ervas silvestres: as bolotas de azinheira (que a ti Luzia trazia de Espanha à espera de receber, em troca, um punhado de batatas), assadas, eram bem boas. Comiam-se as azedas que cresciam nos prados e as meruges nos regatos. Havia as amoras das silveiras das quais guardo uma indelével recordação: foi uma vez que eu subi a um muro de pedras soltas para as colher, e, qual a minha surpresa, o muro caiu, e eu sobre ele. As pedras marcaram-me para sempre o rosto com uma cicatriz. Nunca mais me esqueci do local, foi na Caleja do Ribeiro, e às vezes ainda me revejo a repor as pedras, e reparo numa delas que era muito arredondada, e julgo que foi essa a que me marcou.

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