(cross post: transição)
Nos passados dias 7 e 8 deste cálido mês de Agosto, teve lugar em S. Pedro do Rio Seco o primeiro Congresso da Associação Rio Vivo. E, para os que não conhecem esta aldeia e esta Associação, convém dar alguns esclarecimentos.
S Pedro, à semelhança de muitas outras, é uma pequena aldeia do concelho de Almeida, situada na região de Riba-Côa, que é um território que se situa entre o Rio Côa e a fronteira espanhola. Linha da fronteira que, desde o Douro até S. Pedro, é definida pelo rio Águeda e pela ribeira de Tourões, e a partir de S. Pedro, para sul, numa larga extensão que inclui os concelhos de Sabugal e Penamacor, pela chamada raia seca.
Esta região de Riba-Côa é uma planalto, continuação natural da Meseta Ibérica que lhe fica a leste. É limitada do lado ocidental pelos penhascos do vale do Côa e a sul pela serra de Malcata, no maciço da cordilheira central ibérica. A norte, destaca-se a silhueta da Marofa, já nos contrafortes do vale do Douro.
São fracos os recursos destas terras: o solo é pobre, a água não é abundante, e o clima, muito frio no inverno e muito quente no verão, é extremamente agreste. Como nota dominante da paisagem, abundam os afloramentos graníticos (os barrocos como aqui lhe chamam), as giestas, as moitas de carvalhos e as carrasqueiras. E, sempre presente, o pinheiro bravo.
Nos primórdios da nacionalidade, esta região fronteiriça, disputada entre Castela e Portugal, era uma zona de castelos defensivos: Castelo Mendo, Castelo Bom, Almeida, Castelo Rodrigo, Vilar Maior e Alfaiates; terá sido mais intensamente povoada a partir de 1296, ano em que foi definitivamente integrada no território português, após o tratado de Alcanizes.
Tradicionalmente, as gentes desta região dedicavam-se sobretudo à agricultura e à pastorícia: colhia-se batata, trigo, centeio e algum vinho. Produzia-se queijo de ovelha, cada família criava o seu porco e as suas galinhas, e a aldeia era auto-suficiente em frutos e hortícolas. Havia uma dinâmica actividade complementar de serviços: o merceeiro, o taberneiro, o sapateiro, o alfaiate, o pedreiro, o ferreiro, o carpinteiro, o barbeiro...
A casa agrícola típica de S. Pedro desenvolvia-se à volta do curral com a residência e o seu cabanal, as cortes, os cortelhos, os palheiros, a adega e a “tenade” onde se guardava a lenha. O lavrador desenvolvia a sua actividade apoiado na junta de vacas, de machos ou de burros, conforme a dimensão da sua lavoura. O carro de bois, que era diferente do minhoto, estacionava no curral. Os terrenos da exploração agrícola (as sortes, as tapadas, os hortos, as vinhas, os lameiros) eram de pequena dimensão, e estavam dispersos pela folha, muitas vezes afastados uns dos outros .
Não havia conforto nas habitações: entrava-se no meio-da-casa e de um lado estava a cozinha (em certos casos de telha vã e sem chupão de fumo) com o basal e a cantareira, e com uma pequena dispensa onde estava a tulha e a salgadeira; do outro lado do meio-da- casa, uma pequena sala com dois quartos (as alcovas) onde apenas cabia a cama. Não havia casa de banho, apenas um lavatório na sala com o seu jarro e um espelho na parede. Nalguns casos , sobre a sala e as alcovas, havia o sobrado onde se guardavam as colheitas para o uso da casa.
Desde há meio século tudo isto mudou, e um modo de vida que se aperfeiçoou durante seis séculos desapareceu completamente. A casa agrícola deu lugar a uma casa moderna com o conforto das casas das cidades, muitas vezes servindo apenas como segunda habitação. O automóvel tomou conta das ruas, os animais de trabalho desapareceram, o asfalto substituiu a terra batida, apareceu a electricidade e o saneamento. A autarquia, entretanto, construiu um moderno pavilhão multiusos, rasgou estradas, embelezou largos com jardins.
Como resultado da fuga para as cidades, a população permanente que era de cerca de 700 pessoas reduziu-se a pouco mais de 150 habitantes, a maior parte com mais de 65 anos. A escola fechou por falta de alunos. Resta um pequena actividade agrícola, quase um passatempo dos reformados, centrada nas hortas de proximidade. Cuidar dos velhos no Centro Social é, agora, a principal actividade dos poucos que trabalham na aldeia. A folha está praticamente abandonada, sendo a excepção a existência de pequenas manchas dispersas de exploração florestal (de cupressus ou azinheiras), e algumas explorações pecuárias (de vacas e ovelhas), tudo a viver com apoios comunitários.
No mês de Agosto a aldeia ganha a vitalidade de uma estância turística. Emigrantes enchem a terra, cria-se uma ilusão de vida. E alguns vêem nisto um sinal de progresso, e acreditam que se está a prosseguir o caminho certo.
Mas esta aldeia está ferida de morte e não tem futuro: os residentes desaparecem, e outros não vêm para os substituir; os filhos dos emigrantes não virão ocupar as casas que os pais construíram. Os dinheiros do estado social vão escassear, os fundos comunitários também. É este o paradoxo do nosso tempo: as cidades não são a solução para o futuro, e as pequenas comunidades rurais perderam a sua sustentabilidade.
Nascida da vontade de uns quantos, a Associação Rio Vivo foi criada para perceber como foi possível chegar a este ponto e para intervir, da forma possível, para inverter esta tendência depressiva. No fundo, para ajudar a cuidar dos velhos e estudar a forma de reanimar a aldeia. Para impedir que ela morra...
Chegaremos a tempo de a salvar?
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Viva!
ResponderEliminarÉ com muita tristeza que verifico que faltei a esse encontro.
Espero não perder mais nenhum.
Existe hoje uma micro tendência de exodo metropolitano que pode ser um factor desbloqueador do despovoamento dos territórios rurais e rurbanos.
É certo que ainda é uma tendencia tímida. Mas é assim que nasce toda a inovação social.
Aceite um abraço forte
FL
Esta descrição da vida rural me fez transportar no tempo e imaginar como viviam meus antepassados em São Pedro do Rio Seco.
ResponderEliminarTambém, nos anos cinquenta enquanto menino, vivia nas terras do meu avô Manoel Limão (nascido em SPRS), aqui no Brasil em Santa Isabel do Ribeirão Bonito. Muito da descrição do texto, se reproduzia nas habitações dos moradores desta localidade.
O que mostra que estamos ligados pela cultura e tradição desse povo.
Desejo que tenham muito sucesso com essa iniciativa da Associação do Rio Vivo.
Um forte abraço àqueles que habitam o local que foi berço da minha origem e dos meus filhos.
A.J.Limão
Antonio de Jesus Limão Ervilha
E-mail: ajlimao@gmail.com