terça-feira, 17 de novembro de 2009

Totnes - 6

(...)
Retomar os saberes perdidos

Para além da libra de Totnes, os habitantes deram início a uma grande requalificação, retomando os saberes perdidos como quem regressa às origens. Entre eles a capacidade de reutilizar o que deitavam fora, de fazer ou reparar tudo por si próprio, de restaurar em vez de destruir, e também de costurar, de praticar o artesanato ou a jardinagem.
O grupo da "Alimentação" negociou com a municipalidade a criação de platibandas e terraços plantados de avelaneiras, amendoeiras e nogueiras, em vez dos espaços decorativos da cidade. Constatando-se que, nas frontarias ou nas traseiras das casas, muitos dos habitantes de Totnes possuíam jardins privados não utilizados, foi lançado um programa de partilha, a fim de que estes espaços fossem cultivados, segundo os princípios da agricultura biológica ou da permacultura.
A iniciativa de Totnes ultrapassa assim os limites da esfera privada, e desenha talvez a divisa dum mundo novo: liberdade, fraternidade, frugalidade.

A ideia alastra ao mundo inteiro

Certamente que há alguma coisa de utópico no programa das cidades de transição, tal como no final do Cândido de Voltaire, em que uma comunidade se junta numa quinta, em redor de objectivos modestos mas realizáveis. Não obstante o movimento alastra como mancha de óleo. Na peugada de Totnes, 130 cidades iniciaram um projecto de transição, principalmente na Inglaterra, na Irlanda, nos Estados Unidos e no Canadá. Mais de 700 localidades estão na primeira etapa do processo na Austrália, na Nova Zelândia, no Japão, na Bélgica e na França. Ligadas entre si pela Internet, vão trocando ideias e experiências.
A natureza contagiosa do fenómeno surpreendeu toda a gente. A ideia desenvolveu-se apenas pelo boca-a-boca e pela rede. Isso demonstra que as pessoas estão abertas a soluções positivas, que apelem à sua participação e às suas competências.
Serão positivas as sombras da recessão?! Poderão elas constituir um choque salutar, para conduzir ao fim dum sistema que já deixou de funcionar?! Se assim for, abençoada crise!

POR UMA ECONOMIA LOCAL, AUTÓNOMA EM ENERGIA E EM RECURSOS!
O movimento de transição contesta a ideia de que apenas os estados (e menos ainda o sistema capitalista ávido de lucros imediatos) podem trazer soluções viáveis às eventualidades desta economia fragilizada. Em consequência disso, as comunidades locais devem iniciar desde já uma mutação para uma economia re-localizada e auto-suficiente em energia e em recursos.
Perante futuras perturbações, uma comunidade resiliente estará claramente mais apta a resistir, do que as comunidades actuais, totalmente dependentes dos sistemas globalizados para os problemas da alimentação, da energia, dos transportes, da saúde e do alojamento.
E sobretudo será mais agradável para viver.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Totnes - 5

(...)

Libertar o génio colectivo

Reinventar a economia duma cidade não se faz numa noite! Começou por um ano de sensibilização: um festival de conferências, de projecções de filmes, de reuniões de informação, de conversações com a câmara municipal. E também de reticências face à mudança, "é demasiado tarde para agir", "falta o dinheiro necessário", "faltam-nos as competências necessárias"... Finalmente um entusiasmo progressivo e uma avalanche de ideias, como diz Rob.
Iniciada em 2005, a revolução verde pôs-se em andamento em Setembro de 2006, com o apoio da câmara. Foram constituídos dez grupos de trabalho que mobilizaram mais de um milhar de habitantes, para imaginar uma outra maneira de viver. Como quem conquista uma nova fronteira. Alimentação, habitat e construção, dependência do petróleo, economia local, novas formas de energia, transportes, educação, saúde e bem-estar, tudo foi analisado. Toda a gente foi convidada a exprimir os seus conhecimentos.
Verificou-se o que funcionava, e o que não funcionava. O que podia fazer-se de imediato, ou só mais tarde. Resumindo, um plano de acção afinado por uma comunidade inteira. Uma estratégia de mudança a realizar de um modo realista, durante 20 anos, para levar a cabo um programa de poupança energética, reduzir a dependência das energias fósseis, substituí-las pelo solar, o eólico ou a geotermia, e relocalizar o abastecimento de alimentos, sementes agrícolas, materiais de construção, e tudo aquilo que antigamente era de produção local e depois deixou de ser.
Ainda falta fazer muita coisa, mas a mutação está em marcha. Até 2030, o plano de transição deverá permitir à cidade desenvolver uma economia dinâmica e auto-suficiente, respeitadora do ambiente e autónoma em termos de energia. O adequado casamento das tecnologias modernas com o bom-senso do passado.
(...)

sábado, 7 de novembro de 2009

Totnes - 4

(...)
A metáfora da cereja em cima do bolo

A economia rural diversificada, que sustentou as comunidades humanas durante séculos, foi desmantelada pela globalização e atirada para as gavetas da história, explica Rob Hopkins na sua obra The Transition Handbook, um manual, um guia da transição. A metáfora do bolo ajuda a compreendê-lo.
Em Totnes, antes da chegada do comboio em 1850, a cidade e os arredores eram largamente auto-suficientes. O leite, o queijo, a carne, os legumes e frutos da época, assim como o essencial dos materiais de construção e certas artesanias, eram locais até à revolução industrial, durante a qual a produção foi deslocada (deslocalizada!) para o norte da Inglaterra. O que chegava em barcos de cabotagem, para ser descarregado nos cais do rio Dart, eram materiais de construção que vinham do Báltico, e maçãs da Bretanha para o fabrico da sidra. A região consumia e exportava uma grande quantidade de sidra, mas não produzia maçãs suficientes.
Se por qualquer razão estas embarcações não chegavam a bom porto, a região podia adaptar-se. Era resiliente, isto é, capaz de encaixar os choques e perturbações. O bolo era produzido localmente, e apenas o creme e a cereja eram importados.
Hoje é o inverso. O bolo é importado de qualquer parte do mundo, donde for mais barato. E a agricultura local limita-se a produzir o creme e as cerejas. Evoluímos da resiliência para a dependência. Para remediar isso, devemos agir colectivamente e já.
(...)

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Dia 31 de Outubro, um primeiro passo


No dia 31 de Outubro nós estivemos reunidos em S. Pedro. Este “nós” é a gente de S. Pedro. Foi no novo Pavilhão, estávamos sentados num circulo, virados uns para os outros.

O assunto era o Rio Vivo.

Eu introduzi o tema, deixei claro que estamos a iniciar uma aventura. Partimos para algo novo, algo imaginado, mas não completamente conhecido.
Falei do futuro, dos desafios que se colocam, sobretudo aos jovens que vão enfrentar a angústia do emprego. Da necessidade de não ficarmos indiferentes aos problemas do Mundo…

As pessoas reagiram bem, mas sei que há muita pedra para partir.

O Amândio falou em seguida, e deixou bem evidente a sua paixão por S. Pedro e pela natureza, a fauna e a flora, coisas que ele tão bem conhece. A intervenção dele sugeriu-me a criação de um blog paralelo, o RIO NATURA, onde este tema pode ser desenvolvido.

O Manuel Alcino falou depois, realçou o seu carinho pelo projecto, fez uma breve alusão à ideia de cooperativismo que poderá ser um dos caminhos a trilhar pela Associação.

Outras intervenções, sempre de apoio à iniciativa.

Depois apareceu o quadro com a cabrinha de mestre Chichorro trazido da ASTA pelo Carvalheira. Contou-se a história do Quadro, e logo ali foi decidido que ficaria bem no Pavilhão. Já lá está.

No final fomos visitar umas ruínas, quem sabe se não nascerá ali um forno comunitário.

Ao entardecer, um crepúsculo único apareceu para assinalar a importância do dia.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Totnes - 3

(...)

Se tudo parar, morremos à fome!

No Programa: Moeda paralela, auto-suficiência, decrescimento energético e regresso à frugalidade.

"A globalização económica tornou-se possível graças ao petróleo barato para alimentar os camiões, os barcos e os aviões que percorrem o mundo em todos os sentidos. Mas o que é que vai acontecer quando ele se tornar ainda mais escasso e mais caro do que hoje? E mais tarde, em caso de penúria? - interroga Rob Hopkins, o iniciador do movimento de transição.
"Basta lembrarmo-nos do impacto dos choques petrolíferos de 1973 e 1979, para fazermos uma ideia. Como vamos deslocar-nos? Como faremos funcionar as nossas empresas e explorações? Como vamos produzir os bens de primeira necessidade? O desafio a vencer é enorme, de tal maneira os nossos modos de vida dependem completamente do petróleo barato. Se tudo parar, morremos à fome! Não há nenhuma alternativa energética preparada para vencer um desafio desta amplitude, em tão pouco tempo..."
É Rob uma Cassandra*? Bem longe disso! Mas sem qualquer dúvida adepto do low impact. Sobretudo optimista e pragmático. Face à vertigem que toma conta do mundo, diante da amplitude das ameaças que aí estão, este professor de permacultura** encara o pico do petróleo e o aquecimento climático como uma oportunidade. A oportunidade de trabalhar para um renascimento económico e social, criando um outro modo de vida ao serviço dos homens e das suas necessidades, mais solidário e mais justo, menos destruidor do ambiente. Um mundo novo menos devorador de energia, mais convivial, mais rico em tempo, menos stressante e no final mais feliz.
(...)
*Figura da mitologia grega, filha de Hécuba e de Príamo, rei de Tróia. Apolo enamorado concedeu-lhe dons de profetisa, caso ela acedesse aos seus desejos. Uma vez ensinada, Cassandra esquivou-se. E Apolo retirou-lhe, não o dom da profecia, mas o da persuasão. Desde então bem profetiza Cassandra, mas ninguém acredita nela.

**O termo permacultura foi inventado pelos ecologistas australianos Bill Mollison e David Holmgren nos anos 70, para designar um método agrícola durável e diversificado, que se propõe restaurar o planeta respeitando a natureza em vez de a dominar. Hoje o seu campo de acção alargou-se a domínios tão diversos como o design, a construção ou a eficiência energética.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Totnes - 2

(...)
Aqui fazem-se pagamentos em Libras de Totnes!

Vejamos a praça, por exemplo. A abundância extravasa das bancadas, com um vasto leque de produtos da terra. Se lá formos à sexta ou ao sábado para comprar saladas, batatas saborosas e cheias de aromas ou um belo frango para o almoço de domingo, podemos encontrar Lou Brouwn, que é uma fina cozinheira. Mas Lou tem uma outra particularidade. Tal como a maior parte dos 8.500 habitantes de Totnes, ela não faz as compras com uma libra esterlina com a efígie da rainha. Em vez disso, a sua moeda apresenta uma imagem mais familiar, a da cidade em que vive. Lou utiliza a libra de Totnes, uma moeda paralela que dá direito a múltiplos descontos e pode encontrar-se em quatro balcões de câmbio da cidade. Uma libra inglesa por uma libra de Totnes. É uma maneira de favorecer as produções regionais e de apertar os laços entre os habitantes e os produtores próprios. E de limitar as importações e a poluição daí resultante. Introduzida há dois anos, esta divisa é aceite por mais de 70 comerciantes. Evidentemente simbólica, não deixa no entanto de ser eficaz.
"As pessoas podem ter na mão uma nota de banco diferente, que assinala de maneira visível uma mudança de atitude" - diz Lou. " A vontade de apoiar a sua comunidade, preservando o seu bem-estar e a sua saúde".
Uma população de classe média, com um certo gosto pela preservação do ambiente e o orgulho de viver a experiência social mais significativa e potencialmente mais inovadora do nosso tempo.
Totnes é uma cidade em mutação, de preferência em transição, como ela se designa. Pioneira dum movimento em vias de conquistar o planeta e que, para fazer face à crise, advoga o regresso a um modo de vida mais frugal, capaz de viver melhor e de ultrapassar as perturbações que aí vêm, graças a uma economia local forte e auto-suficiente.
(...)
JC

S Pedro no último dia de Outubro



Depois da nossa reunião no pavilhão, o espectáculo do pôr do sol.
Para assinalar uma data e apontar um caminho
É o caminho para a transição.
A foto, claro, é da autoria da Paula

domingo, 1 de novembro de 2009

Totnes - 1

[texto adaptado de Philippe Jost]

As cidades de transição inventam o futuro!

É necessário habituarmo-nos à ideia de que não vai ser possível continuar a viver como até aqui. Os habitantes de algumas cidades compreenderam isso, e preconizam soluções ecológicas e práticas para viver de outro modo.

Num futuro não muito distante, em que tudo o que não é produzido localmente corre o risco de se tornar demasiado caro devido à escassez do petróleo e ao aumento vertiginoso dos custos de transporte, todos seremos forçados a modificar a nossa maneira de viver.
Mais que uma ameaça, isto é sobretudo uma sorte, dizem os actores das cidades de transição. Totnes, uma localidade de 8.500 habitantes no Devon, Inglaterra, foi a primeira a lançar-se na aventura.


Totnes é uma localidade ideal, na margem dum rio do Devon, o condado mais verde de Inglaterra. "O campo na cidade", diz a publicidade dos agentes imobiliários. Três horas de comboio, a sudoeste de Londres, e a impressão, à chegada, de desembarcar num sonho ecológico. Baptizada de capital do new age chic pela revista americana TIME, circula-se nela sobretudo de bicicleta, os painéis solares brilham sobre as casas de arquitectura medieval, reciclam-se os lixos numa instalação de compostagem comunitária, e a moda local manda que se plantem tomates e batatas, em vez do habitual relvado.
Totnes é o sonho dum ecologista citadino. Construída sobre uma colina, tem ruelas que sobem até às ruínas dum castelo normando, local de encontro apreciado pelos turistas, embora alguns considerem esgotante a subida. No Verão, dois triciclos de transporte importados da Índia, modificados para consumirem óleo de fritar recolhido nas lojas de "fish and chips", transportam gratuitamente os visitantes até ao alto do castelo, deixando que a inclinação da Fore Street, a rua principal, os leve a visitar a pé um talho antigo, um padeiro tradicional, uma loja de velas perfumadas, sem esquecer uma loja que parece ter guardado todos os discos de vinil desde os Beatles até aos Grateful Dead.
Não há aqui MacDonnalds, nem centros comerciais, nem grandes superfícies. Aqui crê-se que Small is beautiful, e que "pensar globalmente e agir localmente" é não só um dever mas também uma fonte de bem-estar.
(...)
JC